quarta-feira, 23 de outubro de 2019

A SOLIDÃO DA MULHER FORTE



Eu não sei se todas passam por isso, mas eu sim e vejo muitas à minha volta nessa situação...
Vivemos em um tempo de despertar feminino que é incrível. Evidente que esse tempo não começou agora e que tantas já abriram caminho pra nós, mas ainda está muito difícil.
Já conquistamos várias coisas mas ainda faltam tantas mais.
Mas chego aqui por certas questões, reflexões que estão me atravessando e queria expressar e compartilhar numa intenção de troca mesmo, queria ouvir mais do que dizer...

Durante muito tempo da minha vida eu acreditei nos contos da carochinha, e imaginava que um príncipe viria me salvar da torre e eu poderia ser uma profissional extremamente competente e ainda cuidar do príncipe, do castelo e das crianças... até que notei que não havia torre, que eu já era incrível, mas eu era tão incrível que o príncipe me colocou na torre e me convenceu de que era melhor pra mim, e eu acreditei... Como eu perdi meu brilho, perdi a graça pro príncipe e ele sumiu, me senti culpada, gritei, demorei a entender... 
Mas um dia eu acordei e vi que só eu podia me tirar da torre e lá fui eu... no processo fui notando que o tal príncipe havia feito um trabalho muito bem feito, eu estava toda machucada e nem dava pra notar, e as pessoas não viram as minhas feridas... me disseram que estava tudo bem, que era assim mesmo, os príncipes são assim...
Não me conformei, ah, mas eles não são mesmo! E se for assim não quero mais proximidade com príncipes...
Encontrei curandeiros e curandeiras nessa floresta no caminho de volta pro meu castelo precioso que eu havia abandonado quando fui pra torre, eles foram incríveis, cuidaram de mim, me limparam e principalmente me ensinaram a me cuidar sozinha e a enxergar melhor...
Voltei pro meu castelo, sozinha e ele estava todo quebrado e imundo, mas lá fui eu... como fui conseguindo fui botando as coisas em ordem, e jogando muita coisa no lixo, sem apego... a cada cômodo limpo mais forte eu ia me sentindo... Encontrei salões que eu nem imaginava que ainda existiam, dei umas festas neles, coloquei móveis novos, mudei a decoração e retomei algumas cores que eu gostava...
Nesse trabalho, fui me tornando independente novamente e muito mais forte e consciente, passei a procurar meios de ajudar outras princesas a saírem das torres e retomarem seus castelos, e voltarem a serem rainhas de si mesmas... 
Assim tem sido e em muitos momentos é incrível, encontro outras rainhas extremamente interessantes, criamos juntas e é mágico... mas há um tabu ainda que não conseguimos tocar nele direito, ainda não damos a devida importância...
Em nossa sociedade os príncipes ainda se acham reis soberanos, mas um rei não agiria assim, um rei tem outro nível de nobreza... eu desejo que eles se tornem reis de verdade, mas há um caminho até lá e esse caminho ainda está cheio de ervas daninhas e só conseguiremos limpar juntes, quando pudermos ser Rainhas e Reis, cada qual com seu poder e glória...
Mas para além disso, nós princesas e rainhas precisamos nos olhar e nos cuidar mais... nós também nos acostumamos com o jeito dos príncipes de tocar o mundo... normalizamos a forma do homem e da mulher agir e ser... Normalizamos que o homem pode ser omisso, que é normal que ele seja insensível e não perceba as coisas, normalizamos que a mulher pode estudar, trabalhar, cuidar da casa, de filho, do marido (como se ele não pudesse se cuidar sozinho) e quando surtamos, exaustas não damos as mãos umas pras outras, ainda cobramos a mana porque ela precisa continuar, "que frescura é essa? Para de mimimi e faz o que você tem que fazer!"
Não sei vocês, mas eu não sou uma máquina indestrutível. Tem dias que eu só preciso chorar, só preciso de um chá quentinho e um colo. Eu distribuo isso o tempo todo, quando eu preciso eu não posso? Oi? Tem algo errado né?

Não sei vocês, mas eu me sinto só nesses momentos... e vejo outras passando por isso também...
A gente ta sempre de pé, firme, forte, indestrutível, vencendo as batalhas, liderando incrivelmente, sobrevivendo a todos os ataques, porque não nos suportam nas lideranças, né? Mas ainda assim seguimos lá, incomodando mesmo... mas um dia, o cansaço bate, como bate em todo mundo e a gente sucumbe, poderia ser só um respiro, um descanso, mas como nos mantivemos fortes por tempo demais, quando caímos é como uma árvore velha, é um barulho absurdo e alguns estragos acontecem... não era pra ser um problema, mas vira, "quem mandou você cair? Você é forte, não precisa disso! Levanta logo, tem gente contando com você!" 

Sério? E eu? Eu conto com quem?

Evidentemente minhas raízes não morrem, e logo eu brotarei novamente, mas precisa ser dolorido assim?

Será que não tem como ser uma mulher forte, ser respeitada e não se sentir tão sozinha?

Que isso não nos impeça de seguirmos ocupando cargos, espaços, mesmo que nos digam que só reis e príncipes poderiam ocupar. Que continuemos assertivas, incisivas, fortes e grandes líderes... Mas que a gente se dê muito mais as mãos para irmos cada vez mais longe.

Não tem que existir competição, os reis doentes inventaram isso por medo de perderem poder, mas o poder real vem na união. Que a gente se una então!
E príncipes, meninos e reis, venham conosco, saiam dessas torres que vocês criaram pra vocês mesmos, deem as mão pra nós, vamos juntes, vamos criar um lugar melhor!

PRISCILA KLESSE

Um comentário:

  1. Um príncipe preto passando para dizer que estamos sim juntos. Não há pelo que se sentir culpada como diz no texto, veja as potencialidades que você tem, é uma diretora e atriz incrível, estudadíssima, mega comprometida com os seus sonhos e metas. Esse "reorganizar na casa / castelo é muito necessário mesmo, admiro a sua trajetória de superação, eu que estava próximo em alguns momentos vendo o seu processo, me orgulho muito de você, obrigado por fazer diversas vezes coisas novas e muito importantes se tornarem "normais" pra mim, adorei o texto!

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