segunda-feira, 10 de julho de 2023

CARTA ABERTA AOS DESERTORES DE SI MESMOS (E QUE NEM SABEM QUE O SÃO, EU ACHO...)


     Primeiramente quero dizer que lhes escrevo porque me identifico com vocês, e porque escrever para vocês, de alguma forma é escrever para mim mesma... 

    O principal disparador que me moveu a este ato é a sequência de coisas que vi e ouvi de e sobre pessoas que não compreendem, não valorizam ou não percebem o potencial que têm e acabam tomando caminhos que, para quem vê de fora, não fazem sentido.

    Eu sei que faço escolhas que para os olhos dos outros não tem sentido algum, mas pra mim naquela hora tem, ainda que nem eu mesma entenda direito. Porém, mesmo sabendo que assim pode ser com outras pessoas, eu tenho muita curiosidade e vontade de conversar com algumas delas e perguntar algumas coisas na tentativa de compreender a razão de determinadas escolhas que elas fazem e situações a que elas se sujeitam sendo que pra quem ta vendo de fora, não tá fazendo sentido...

    Mais uma vez, gostaria de lembrar a vocês que estão lendo isso (se é que alguém ainda lê), que eu não sou e nem me considero um 'alecrim dourado' e nem a pessoa que super entende dos assuntos e do comportamento humano... as minhas reflexões são sempre a partir de onde eu estou, de onde eu vejo e sempre procurando ser o mais empática possível.

    Tenho a oportunidade de ser atriz há uns 16 anos ou mais, não tenho certeza, com a honra de ensinar teatro há 10 anos, com o privilégio de ter feito 2 universidades, sendo a primeira em História e a segunda em Teatro, numa universidade pública, e sempre me atravessaram as questões de expressão corporal e essa linha de pesquisa, além do que é criado coletivamente e em comunidade... Enfim, não estou dizendo tudo isso porque "nossa, como sou foda", não, é só uma tentativa de me entender e de tentar que você que está lendo tenha uma ideia de onde estou partindo na minha reflexão.

    Pois bem... Sempre fui uma pessoa muito observadora, e ensinar teatro me possibilitou ficar ainda mais atenta às pessoas e as formas com que nos expressamos, principalmente sobre a linguagem corporal que muitas vezes é mais forte do que as palavras ditas verbalmente pela pessoa... é aqui que começa a minha problematização...

    No teatro eu já trabalhei com muitas pessoas, vi colegas de cena, cheios de potencial, criando condições desfavoráveis a eles mesmos, se sabotando e não valorizando o que estavam criando ou suas capacidades criativas (já fiz isso comigo também), vejo alunos, nos cursos que dou, não se permitindo e buscando desculpas para justificar a não permissão de si... é gente que se matricula, vai em algumas aulas e começa a faltar e vai arrumando desculpas mas não sai de vez, não entende que talvez não seja a hora... é gente que não perde uma aula, um ensaio, mas não gosta de fazer o aquecimento, acredita que conhecer o próprio corpo é pura bobagem e tantas outras situações...

    Eu já fiz, e acho que ainda faço umas coisas assim comigo mesma, mas de uns tempos pra cá eu tenho tentado desistir das coisas que não são ou não estão boas para mim ao invés de desistir de mim, sabe?

    Me mantive em lugares, em coletivos artísticos que por algum tempo foram muito importantes para mim e guardo memórias incríveis, mas levei tempo demais para perceber que o que eu busco não estava ali... e hoje, depois de ter dado uma aula, voltei pra casa com essa questão: "Por quê escolhemos nos manter em certos lugares que nós só criticamos?

      Eu ainda não sei a resposta, mas dessa pergunta nasce toda essa carta...

   Eu não sei também se é nítido para todos nós o por quê nos matriculamos num curso ou frequentamos um grupo, mas é certo que quando vamos para um lugar estamos esperando algo, seja o encontro com outras pessoas, fazer amigos ou soltar o corpinho, não sei, mas eu costumo saber o que busco e quando o lugar ou a situação já não estão mais fazendo sentido para mim eu avalio bastante e se vejo que o melhor é me distanciar, me distancio... entendo que posso inclusive estar atrapalhando o desenvolvimento do coletivo com a minha presença ali... me sinto como se o grupo estivesse querendo ouvir samba e estou tocando rock... (mas isso não foi sempre assim, ainda estou aprendendo).

    Mas, de novo, eu não sei sobre as pessoas, sobre como é para cada um... mas me chamou a atenção um jovem que fala bastante, tem opiniões interessantes na maioria das vezes, me parece alguém que gosta muito de arte, mas que se sabota e ainda cria problemas para criar, cria empecilhos, racionaliza tudo, chega a parecer uma máscara... talvez seja isso o que façamos, criamos problemas, questionamentos e autossabotagens para não precisarmos olhar para as nossas fragilidades e usamos da desistência de nós mesmos para não alcançarmos o que queremos...

    Espero que a gente melhore!

    Não acho justo que façamos isso com a gente mesmo!

    Não acho justo não estarmos inteiros e presentes de verdade nas coisas que nos propomos a estar... sei lá, às vezes a gente pode estar fazendo as coisas de qualquer jeito com medo do sucesso que aquilo pode nos trazer, ou a gente não desiste de vez, e vai embora pra poder justificar que não deu certo porque a professora é ruim, o lugar não é acolhedor como se diz, ou qualquer outra justificativa que culpe o outro e não me responsabilize de forma alguma pela parte que eu não me entreguei ao processo e ao encontro.

Difícil, eu sei...

    Longe de mim querer concluir algo... só queria compartilhar essa carta, esses pensamentos com vocês e quem sabe, se alguém ler, me mandar uma resposta que me ajude a ver outros pontos e elucidar meus pensamentos...

(em tempos que ninguém lê, essa carta ficou grande demais).

PRISCILA KLESSE 

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